18.3.13

O objecto físico, impresso, encadernado, distribuído

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Abrir o computador nas aulas para ver o que se está a passar online às vezes tem destas coisas. Hoje de manhã, depois de ler o que escreveu João Drumond no facebook e Mário Moura no seu blog, não consegui voltar ao trabalho sem antes me preocupar com o que tinha acabado de ler.

O editor do Drawn To Places diz que tem recebido e recusado alguns pedidos de re-publicação das entrevistas que publica mensalmente no site, apresentando duas razões para a sua recusa. Primeiro, o facto de o seu projecto ter como objectivo a produção de material cem por cento exclusivo, sendo que o site é o local onde faz sentido consultar esse material. Para além disso, lamenta "uma certa preguiça que se vai alastrando pelo mundo académico e uma falta de noção da fronteira entre divulgação e apropriação", preferindo o copy-paste à produção de conteúdo: "uma extensão do mundo tumblresco do reblog".

Depois, no Ressabiator, põe-se em causa a legitimidade que "o objecto físico, impresso, encadernado, distribuído" ainda tem em comparação com os formatos digitais. Começa por referir que o tempo que um texto produzido para um formato impresso costuma esperar pela sua publicação e depois pela sua distribuição faz com que este perca a sua urgência. De facto, a vantagem mais apontada aos suportes digitais é a prontidão com que um texto pode ser lido e a facilidade com que pode ser comentado, potenciando discussões que estariam muito mais limitada se acontecessem no papel (este próprio texto é, aliás, um exemplo disso).

Mas Mário Moura introduz depois a questão do dinheiro, notando que "é muito raro ser pago para escrever online, mas pouco mais raro do que ser pago para escrever sobre papel" e que "o pouco dinheiro disponível costuma ir para a impressão da revista ou para quem dirige o projecto". Propõe, então, "se há algum dinheiro, [que se prefira] objectos e formatos o mais baratos possível, preferindo pagar a toda a gente envolvida do que sacrificar isso à qualidade material do evento".

À primeira vista, a relação entre estas duas intervenções pode não ser muito óbvia, mas no fundo ambas falam da edição, produção e publicação de conteúdos e da forma como estes são geridos. Enquanto editor de conteúdos e produtor de objectos físicos, impressos, encadernados e distribuídos, rapidamente comecei a pensar nestas questões aplicadas à minha própria experiência.

Incomoda-me a tal preguiça que o João denuncia e a confusão tão generalizada entre divulgação e apropriação, assim como me incomoda que o dinheiro seja gasto nos objectos produzidos antes de ser gasto nas pessoas que contribuem para a sua produção. Isto significa que, não podendo pagar a colaboradores, é um paradoxo gastar dinheiro com a impressão dos conteúdos com que estes contribuem? Ou significa que, não tendo dinheiro para pagar conteúdo original, a re-publicação de conteúdos já existentes é uma alternativa válida?

Não é muito fácil encontrar respostas a estas perguntas. Falando do que acontece nos projectos de edição independente, onde geralmente escasseiam os recursos, a produção de formatos impressos acaba por ser uma forma de no final, gastando o pouco dinheiro disponível, ter algo para vender e conseguir reaver o dinheiro gasto, usando-o novamente em futuras publicações, enquanto a publicação online dificilmente possibilita o retorno do investimento feito.

É verdade que existem cada vez mais versões digitais de revistas e de jornais que conseguem reunir público suficiente para justificar a sua existência, mas penso que a grande maioria se trata de publicações que já existiam em formato físico e que já tinham conseguido, com esse formato, reunir um público confortável. Para além de que uma das características das edições digitais é o facto de não se poderem arrumar na estante lá de casa. E se eu não tenho interesse em guardar os jornais diários para ler mais parte, há outro tipo de conteúdos com os quais prefiro gastar um pouco mais pela oportunidade de os ter impressos e guardados.

Não é esse o caso, no entanto, das publicações produzidas com a preguiça da re-publicação de conteúdos simplesmente porque sim ou com a desculpa que se está a promover o que se está a repetir, julgando estar-se a editar uma revista quando na verdade se está a imprimir um tumblr.